25/03/22
A revista Science publicou, em sua última edição, a letter “Brazilian cave heritage under siege“, denunciando a gravidade do Decreto nº 10.935/2022, que abre a possibilidade de destruição de cavernas de máxima relevância no Brasil. O artigo foi veiculado na Science volume 375, edição 6585, de 18 de março de 2022.
A letter contou com a participação de 95 pesquisadores, de 33 países, representando o total de 57 universidades, 27 institutos de pesquisas e 11 museus. Dentre os autores está o Biólogo Enrico Bernard, presidente Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros (SBEQ) e professor associado do Departamento de Zoologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que esclareceu, em entrevista ao CFBio, os impactos desse decreto para o meio ambiente, a biodiversidade, o agronegócio e a saúde da população.
No texto, os pesquisadores alertam sobre a negligência à proteção ambiental no Brasil, particularmente em relação aos ambientes subterrâneos que, até recentemente, eram amplamente protegidos. Conforme destacam, embora algumas cavernas pudessem ser destruídas com a finalidade de explorar recursos minerais ou de desenvolvimento urbano, aquelas classificadas como apresentando o máximo valor cultural, geológico e/ou biológico tinham que ser preservadas. No entanto, com o novo decreto presidencial, passou a ser permitida a destruição até mesmo de cavernas com máxima relevância, o que representa retrocesso substancial para a conservação subterrânea.
“O novo decreto ignora o valor científico insubstituível das cavernas brasileiras. Pesquisadores documentaram centenas de espécies endêmicas nas cavernas, incluindo animais com adaptações únicas. Milhares de espécies ainda carecem de descrições formais, e muitas outras espécies aguardam descobertas. Pelo menos 72 espécies de morcegos vivem em cavernas brasileiras e prestam serviços ecossistêmicos críticos, como o controle de pragas. A geodiversidade dessas cavernas também é excepcional, com muitos locais abrigando minerais raros e formações geológicas que não são encontradas em nenhum outro lugar. Finalmente, a multiplicidade de sítios arqueológicos e paleontológicos em cavernas de todo o país fornece um registro único do passado do Brasil”, afirmam os pesquisadores na publicação.
A letter também adverte sobre o risco de extinção de espécies raras com a adoção da nova medida. “Ao ignorar o valor intrínseco e utilitário das cavernas brasileiras, a política negligencia estratégias globais de conservação para salvaguardar o bioma subterrâneo, viola os princípios tanto da Política Federal de Biodiversidade quanto da Convenção sobre Diversidade Biológica, e não se alinha aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. As perdas potenciais de espécies únicas, serviços ecossistêmicos e novos produtos químicos industriais (que poderiam ser derivados dos micróbios encontrados nas cavernas) são imprevisíveis. Além disso, já que causar a extinção de espécies pode prejudicar a reputação de empresas, a política poderia minar o setor de mineração, que não pode permitir que os ecossistemas sejam destruídos por decretos míopes”, concluem os pesquisadores.
CFBio em ação
Tendo em vista a gravidade da situação, o Conselho Federal de Biologia (CFBio) se uniu a entidades da comunidade científica e acadêmica, em janeiro de 2022, posicionando-se contrário ao decreto e fazendo um apelo às autoridades por sua imediata revogação.
Em fevereiro de 2022, a presidente do CFBio, Maria Eduarda de Larrazábal, solicitou ao presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) o acesso a dois processos internos que detalham o rito seguido pelo órgão para elaboração da normativa. O pedido foi protocolado com base na Lei de Acesso à Informação. O ICMBio ainda não respondeu sobre a possibilidade de acesso aos processos.
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