28/05/25
Em 21 de maio de 2021, o Sistema Conselhos Federal e Regionais de Biologia (CFBio/CRBios) enviou um manifesto ao deputado Neri Geller (PP/MT), na época Relator do PL 3729/2004, ao presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, na época deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) e ao Senado Federal (https://cfbio.gov.br/2021/05/21/sistema-cfbio-crbios-envia-ao-senado-manifesto-contra-o-pl-3729-2004/ e https://cfbio.gov.br/2021/07/06/projeto-do-licenciamento-ambiental-chega-no-senado-entenda-os-impactos/), expressando sua preocupação com a aprovação, na Câmara dos Deputados, do PL 3729/2004, que flexibiliza e enfraquece as normas de licenciamento ambiental no Brasil.
Além disso, o Sistema CFBio/CRBios encaminhou ofício a todos os senadores, ainda em maio de 2021, manifestando sua preocupação com a matéria.
Todas essas movimentações em torno da discussão da matéria estão inseridas em um contexto mais amplo de propostas voltadas à desburocratização e ao estímulo à competitividade dos negócios no Brasil. No entanto, é importante considerar que tais iniciativas podem acarretar impactos relevantes sobre o meio ambiente, a saúde da população e as políticas públicas voltadas à sustentabilidade.
Posteriormente, quando o mesmo PL seguiu para o Senado Federal como PL 2159/2021, o Sistema CFBio/CRBios conclamou os Biólogos a se manifestarem contrários ao texto por meio de consulta pública aberta pelo Senado, além de incentivarem a divulgação de posicionamentos contrários nas redes sociais, marcando os senadores de seus respectivos estados.
Surpreendentemente, no dia 21 de maio de 2025, o Senado Federal aprovou, por 54 votos a favor e 13 contra o Projeto de Lei nº 2159/2021, mesmo com o Ministério do Meio Ambiente afirmando que o referido PL “representa risco à segurança ambiental e social no país” e “afronta a Constituição Federal”, além de diversas organizações socioambientais considerarem o PL o maior retrocesso ambiental das últimas décadas. Ainda mais paradoxal é o fato de que, no mesmo ano em que o Brasil sediará a COP30 – o maior evento mundial voltado ao combate das mudanças climáticas e à proteção do meio ambiente – o país aprove uma legislação que compromete diretamente a credibilidade dos compromissos ambientais assumidos perante a comunidade internacional.
Diante desse cenário crítico, o Sistema CFBio/CRBios vêm, por meio da presente Nota, reiterar seu veemente repúdio à aprovação do Projeto de Lei nº 2159/2021.
Curiosamente, a aprovação do projeto ocorreu na véspera do Dia Mundial da Biodiversidade, celebrado em 22 de maio. O Brasil, detentor da maior biodiversidade do planeta — com destaque para biomas como a Amazônia e a Mata Atlântica —, abriga alguns dos maiores exemplos de diversidade biológica do mundo. Como se sabe, a cobertura vegetal brasileira — especialmente a floresta Amazônica, que representa um terço das florestas tropicais do planeta —, apesar das grandes perdas nos últimos anos, é responsável por significativa parte da captura de CO₂ da atmosfera, gás que contribui para o agravamento do efeito estufa.
A redução da cobertura vegetal nativa, decorrente de múltiplos fatores associados ao uso e à ocupação do solo, tem contribuído para o aumento progressivo da temperatura global. Esse fenômeno gera implicações de ordem social, econômica e ambiental, como insegurança alimentar, migrações forçadas, escassez hídrica em determinadas regiões, intensificação de conflitos por recursos naturais, disseminação de doenças e maior recorrência de eventos climáticos extremos, como inundações. Ressalta-se que o equilíbrio climático promovido pelos ecossistemas naturais é fundamental para a manutenção de diversas atividades produtivas e para o avanço sustentável da sociedade, incluindo setores estratégicos como a agricultura e a geração de energia.
Do ponto de vista técnico-científico, é fundamental promover a modernização e o aprimoramento da sistemática de licenciamento ambiental no Brasil, sem comprometer os pilares de proteção ambiental que foram consolidados ao longo de décadas de construção legal e institucional. Há consenso sobre a existência de entraves no sistema atual – como a morosidade de determinados processos, procedimentos burocráticos redundantes, ausência de integração entre os entes federativos e a limitação de recursos humanos nos órgãos ambientais — que justificam a necessidade de reformas para agilizar os empreendimentos sustentáveis. Contudo, as soluções devem ser guiadas pelo fortalecimento das capacidades institucionais e na adoção de instrumentos inovadores de gestão, capazes de conciliar celeridade processual com a proteção ambiental. Em outras palavras, é plenamente viável desburocratizar com responsabilidade, sem comprometer a conservação do meio ambiente.
A adoção de medidas que aceleram a implantação de empreendimentos sem a devida análise técnica e ambiental tem gerado preocupações ligadas à gestão ambiental. Um caso frequentemente citado no debate sobre a efetividade do licenciamento ambiental é o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), ocorrido em 2019. Em dezembro de 2018, a expansão da referida mina foi aprovada por meio de um processo que concedeu, de forma simultânea, a Licença Prévia, a Licença de Instalação e a Licença de Operação. Esse procedimento, conhecido como licenciamento ambiental concomitante, buscava dar maior celeridade ao processo, dispensando o modelo trifásico tradicional. Entretanto, o caso evidencia a necessidade de rigor técnico, análise criteriosa de riscos e transparência nos processos decisórios que fazem parte da governança ambiental. Situações como essa reforçam a importância de um sistema de licenciamento ambiental robusto, capaz de conciliar agilidade administrativa com a segurança ambiental e social.
Com vistas à evolução do processo de licenciamento ambiental no Brasil, é recomendável adotar uma abordagem equilibrada e multissetorial. Para isso, é necessário o fortalecimento institucional dos órgãos licenciadores — como Ibama, ICMBio e órgãos estaduais e municipais — por meio da ampliação de seus quadros técnicos e da contínua capacitação de seus profissionais, de forma a garantir análises céleres e tecnicamente qualificadas dos estudos ambientais. Paralelamente, é essencial incentivar e orientar os empreendedores a constituírem equipes multidisciplinares altamente qualificadas para a elaboração dos estudos, uma vez que a qualidade técnica dos documentos apresentados é fator determinante para a agilidade e a efetividade da tramitação dos processos.
Considerandos da Nota:
O projeto propõe alterações substanciais no processo de licenciamento ambiental no Brasil, prevendo a dispensa de licenças para diversas atividades, além de permitir que empreendimentos obtenham licenças automaticamente por meio da chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC), baseada apenas na autodeclaração do empreendedor, sem exigência de análises técnicas prévias, exceto nos casos classificados como de “alto risco ambiental”.
O texto também prevê a não obrigatoriedade de estudos prévios de impacto ambiental e a definição de medidas mitigadoras e compensatórias em diversos casos, o que representa uma mudança significativa na prevenção de impactos. Tais modificações implicam novos desafios para os mecanismos de fiscalização e podem impactar a efetividade da participação social nos processos decisórios. É importante destacar que o licenciamento ambiental é um instrumento fundamental da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), sendo essencial para o controle prévio de atividades potencialmente causadoras de impactos socioambientais.
O PL propõe alterações que impactam diretamente a atuação dos órgãos integrantes do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente), como o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e os conselhos estaduais.
O Projeto permite que empreendimentos em Unidades de Conservação possam ser licenciados sem a obrigatoriedade da manifestação prévia do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), abrindo margem para atividades econômicas em áreas legalmente protegidas.
Retira a proteção de territórios indígenas e quilombolas ainda em processo de demarcação, ameaçando a delimitação de seus direitos e segurança territórios.
Dispensa o licenciamento ambiental para uma série de atividades agropecuárias, mediante o preenchimento de um formulário autodeclaratório pelo empreendedor.
O PL incluiu a Licença Ambiental Especial (LAE), inserida durante a votação no Senado, por meio da emenda 198, de autoria do Senador Davi Alcolumbre. Esta licença permite ao governo federal acelerar o licenciamento de empreendimentos considerados estratégicos, mesmo que possam causar degradação ambiental, comprometendo a qualidade das avaliações ambientais e desconsiderando princípios básicos de proteção ambiental e sustentabilidade.
O texto não contempla a crise climática em seu conteúdo, mesmo diante dos eventos ambientais extremos registrados no país nos anos de 2023 e 2024. Também não considera os esforços e inciativas sociais e governamentais voltados ao enfrentamento dessas crises.
A adoção de critérios mais flexíveis no processo de licenciamento ambiental pode gerar aumento na judicialização de casos que envolvem impactos ambientais. Além disso, a dispensa da exigência de certidão municipal de uso, parcelamento e ocupação do solo para fins de licenciamento, poderá resultar em conflitos federativos e sobreposição de competências entre estados e municípios na atração de empreendimentos, com potenciais implicações para a gestão territorial e a coordenação de políticas ambientais e urbanísticas.
Historicamente, a flexibilização dos mecanismos de controle ambiental provoca aumento da poluição, danos à saúde, degradação ambiental, crescimento do desmatamento, elevação das emissões de gases de efeito estufa, perda de biodiversidade e aprofundamento das injustiças sociais. A aprovação deste projeto, sem alterações estruturais, representa o desmonte do licenciamento ambiental no Brasil.
O licenciamento ambiental é um tema de extrema relevância, tanto ambiental quanto social e econômica. Sua revisão exige um debate qualificado, com ampla participação de profissionais devidamente habilitados, órgãos ambientais e sociedade civil. A incorporação do conhecimento técnico-científico e das contribuições de especialistas é fundamental para a construção das leis nessa área.
Diante do exposto, o Sistema CFBio/CRBios manifesta sua preocupação com a redação atual do projeto, que promove alterações substanciais no licenciamento ambiental e pode comprometer pilares fundamentais da Política Nacional do Meio Ambiente. Tais mudanças podem gerar impactos negativos ao meio ambiente, à sociedade e às próprias atividades econômicas.
Ressalta-se que qualquer reforma do licenciamento deve ser fundamentada em evidências técnico-científicas e construídas a partir de um processo de diálogo com a comunidade especializada. É essencial que o país avance na modernização de seus instrumentos de gestão ambiental sem renunciar à proteção dos recursos naturais, que constituem patrimônio coletivo e legado para as futuras gerações.
Por essa razão, o Sistema CFBio/CRBios está empenhado em levar essas informações aos parlamentares e à sociedade, visando ampliar a compreensão sobre os potenciais impactos do projeto e fomentar um debate que concilie desenvolvimento econômico com preservação ambiental, sob os princípios da sustentabilidade e da responsabilidade socioambiental. Ademais colocamo-nos à disposição dos nobres Legisladores para colaborar na construção de projeto de lei que vise modernizar o licenciamento ambiental com foco no seu fortalecimento e efetividade, e não em sua desestruturação.