6/07/21
O Projeto de Lei do licenciamento ambiental (PL nº 3729/2004) foi aprovado pela Câmara dos Deputados em maio deste ano, sob regime de urgência, depois de quase 20 anos de sua apresentação, e com um texto bastante diferente do apresentado pelos seus autores. Ao longo de sua apreciação, o relator, deputado Neri Geller (PP/MT), acatou apenas cerca de 9 emendas das 101 apresentadas ao projeto, e conseguiu a aprovação de seu relatório com uma larga vantagem de 300 a 122 votos, a despeito das diversas tentativas de obstrução pela oposição.
Em 11 de junho, a proposta foi oficialmente protocolada no Senado Federal, onde recebeu a identificação Projeto de Lei nº 2159/2021, com designação da senadora Katia Abreu (MDB/TO) para relatora. Alguns pedidos de audiência pública já foram apresentados pelo presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Jaques Wagner (PT/BA), e pelo vice-presidente da Casa, Veneziano Vital do Rêgo (MDP/PB).
Todas essas movimentações em torno da discussão da matéria não são por menos: sob a justificativa da desburocratização e incremento da competitividade dos negócios no Brasil, o projeto pode trazer severos impactos para o meio ambiente, para a saúde das pessoas e para as políticas públicas ligadas à sustentabilidade.
Os Conselhos Federal e Regionais de Biologia (Sistema CFBio/CRBios) enviaram ofício a todos os senadores, ainda no mês de maio, manifestando sua preocupação com a matéria, que flexibiliza e enfraquece as normas de licenciamento ambiental no Brasil.
Diante desse cenário, os Conselhos de Biologia conclamam Biólogos e Biólogas a se manifestarem contrários ao texto atual do PL nº 2159/2021. Para isso, acesse aqui a consulta pública aberta pelo Senado e vote informando que NÃO apoia essa proposição.
=> CRBio-01 realiza mesa redonda sobre PL do Licenciamento Ambiental. Assista!
A fim de esclarecer os impactos do projeto ao meio ambiente e à sociedade, elencamos, a seguir, os principais pontos de discussão da matéria:
O projeto permite que sejam dispensados do licenciamento ambiental empreendimentos de saneamento básico, manutenção em estradas e portos, distribuição de energia elétrica, atividades agropecuárias – à exceção da pecuária intensiva de médio e grande porte –, obras de instalação de redes de água e esgoto, obras de baixo e médio risco ambiental, inclusive mineração, e obras consideradas de “porte insignificante” pelo órgão licenciador.
O licenciamento ambiental é um processo administrativo multidisciplinar realizado pelos órgãos ambientais competentes. Esses órgãos expedem licença para que os empreendimentos instalem, ampliem e operem atividades que utilizem recursos ambientais e que possam trazer riscos de poluição ou de degradação do meio ambiente. Assim, o licenciamento ambiental é o processo por meio do qual o Estado executa seu dever de conciliar o desenvolvimento econômico e a conservação do meio ambiente e dos recursos naturais, orientado por conduta técnica, responsável, ética e dentro dos limites legais.
É necessário conhecer os componentes e as características biológicas dos biomas e dos ambientes que serão atingidos pelas atividades executadas por esses empreendimentos. As etapas que constituem esse processo devem visar à proteção do meio ambiente e subsidiar as ações fiscalizatórias e de recuperação ambiental, com objetivo de alcançar o interesse social, visto os impactos que essas atividades podem implicar para a sociedade envolvida.
O licenciamento ambiental é um nicho de mercado significativo para Biólogos, especialmente para aqueles que atuam na área de Meio Ambiente e Biodiversidade. O parecer do Biólogo e de outros profissionais envolvidos no processo de liberação de empreendimentos com potencial de gerar impactos ambientais é extremamente relevante, pois esses profissionais realizam os estudos que projetam as circunstâncias e condições esperadas sobre o meio ambiente e a sociedade atingida.
Isso porque já é sentido, junto aos diversos órgãos ambientais – sejam federais, estaduais, distritais ou municipais – um alto represamento de demandas de licenciamento, diante da atual insuficiência de funcionários responsáveis por esse processo e da complexidade de alguns empreendimentos, fatores de significativa influência para o agravamento desse quadro. A solução, no entanto, não está no desmantelamento completo dessas estruturas, mas sim no seu fortalecimento para garantir o desenvolvimento sustentável do País.
São vários os impactos que o projeto pode gerar para o meio ambiente. O texto aprovado pela Câmara dos Deputados liberou, por exemplo, a atividade pecuária da exigência de licenciamento ambiental. Entretanto, sabe-se que essa atividade tem forte contribuição em fenômenos como o efeito estufa, devido ao desmatamento necessário para pastagens e à liberação de gases noviços para a atmosfera, como o metano. Considerando que o Brasil é o detentor do maior rebanho bovino do mundo, espera-se que mais empreendimentos desse setor se insurjam no país, com a facilidade trazida pelo projeto, o que pode trazer grandes riscos ao meio ambiente.
Outra proposta trazida pelo projeto a fim de facilitar a liberação dos empreendimentos é a figura da Licença Ambiental Única (LAU), que permite a junção de licenças prévias com a de instalação, e a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), que será feita por meio de autodeclaração do empreendedor, sem análise prévia do órgão ambiental, submetido somente a requisitos pré-estabelecidos pela autoridade licenciadora. Essa flexibilização pode, ao contrário do que se espera, agravar a insegurança jurídica de empreendedores, visto que a responsabilidade em arcar com os riscos e danos recai de maneira mais pesada sobre eles.
Inevitavelmente, com essa ampla liberação, as chances de judicialização dos casos que efetivamente imponham impactos ambientais crescerão preocupantemente. Outra questão detectada no projeto, que pode ensejar demandas judiciais, diz respeito à desnecessidade de certidão de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano emitida pelos municípios para fins de licenciamento. Há, ainda, a questão da disputa federativa pela atração desses empreendimentos, visto que o projeto vincula a autonomia dos entes em definir as tipologias de empreendimentos sujeitos a procedimentos próprios para a aquisição da licença ambiental. Essa disputa pode provocar uma desarmonia fiscal sob a ânsia de atração de investimentos por meio dessas atividades.
A flexibilização e liberação indiscriminada de licenciamento ambiental pode afetar sensivelmente as comunidades. O exemplo mais marcante, e que consta expressamente no projeto, é a exigência de estudo de impacto ambiental somente para atividades que se instalem em comunidades indígenas homologadas e em comunidades quilombolas já tituladas. Assim, aquelas comunidades em processo de homologação, ou titular ainda em análise, seriam severamente impactadas. Pela regra atual, independente de homologação ou titulação, as essas comunidades são consultadas para, em diálogo entre empreendedor e indígena ou quilombola, mediado pelo órgão ambiental, sejam dirimidos os impactos e traçadas compensações aos danos inevitáveis.
Exatamente. O projeto dispensa a análise de impacto direto e indireto ao meio ambiente no caso das Unidades de Conservação, podendo gerar aumento dos conflitos com as comunidades adjacentes e da judicialização desses conflitos. É importante considerar, ainda, as implicações para a saúde da população. Como se sabe, a degradação do meio ambiente e o surgimento de epidemias e pandemias têm cada vez mais se aproximado, nas últimas décadas, como causa e efeito; sem contar as devastadoras sequelas sociais resultantes de desastres em empreendimentos mal avaliados previamente e/ou não fiscalizados, infelizmente ocorridos no País em anos recentes.
O projeto traz alguns pontos positivos importantes, como a definição de atribuições e prazos de validade dos vários tipos de licença elencados, como a Licença Prévia, Licença de Operação e Licença de Instalação (3 a 6 anos), e a Licença Ambiental Única (5 a 10 anos). Outro ponto positivo é a correção de questão relativa à criminalização, na modalidade culposa, de funcionário público envolvido no processo de licenciamento, conforme prevê o parágrafo único do art. 67 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9605/1998). Essa responsabilização é exagerada, pois desconsidera o alto grau de complexidade dos estudos para a expedição das licenças
Tendo em vista todos esses impactos e circunstâncias, o Sistema CFBio/CRBios entende que o projeto, na forma de sua redação atual, traz muito mais impactos negativos ao meio ambiente, à população e às próprias atividades econômicas do que mudanças positivas. Por isso, o Sistema está empenhando em levar essas informações aos senadores, para que tenham ciência das consequências do projeto e enderecem o progresso econômico e a preservação ambiental sob o paradigma da eficiência, mas também da conciliação entre essas duas necessidades nacionais.
ELEIÇÃO CRBio-10 |