11/04/24
A Comissão de Meio Ambiente e Biodiversidade em resposta a solicitação de análise e manifestação do processo nº 2024/000321.00-0 – PL 364/2019 – Proteção da vegetação dos Campos de Altitude associados ao bioma Mata Atlântica, apresenta a seguir a nota técnica de repúdio ao Projeto Lei nº 364/2019.
Relato do PL:
O Projeto de Lei em tela, apresentado em 05 de fevereiro de 2019, é de autoria do Deputado Alceu Moreira (MDB/RS), e dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa dos Campos de Altitude associados ou abrangidos pelo bioma Mata Atlântica.
Em suma, o PL 364/2019 vislumbra retirar as áreas denominadas Campos de Altitude da incidência da Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) por considerar, segundo o autor do PL, que esta Lei possui um regime jurídico mais restritiva que o Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012) para os ambientes campestres.
O Projeto de Lei vislumbra disciplinar a conservação, proteção, regeneração e utilização dos Campos de Altitude, tipo de ecossistema associado ou abrangidos pelo bioma Mata Atlântica, fixando uma nova proposta de regime jurídico para corte, supressão, exploração, manejo e recuperação da vegetação, regulamentando práticas agrícolas e de coleta.
Argumentação técnica:
A Mata Atlântica brasileira (sensu lato) consiste em um complexo de comunidades vegetais, que engloba desde planícies costeiras, encostas montanhosas, afloramentos rochosos, inselbergs e campos de altitude, destacando-se também como um hotspot de biodiversidade por sua elevada riqueza de espécies e alto nível de endemismo. Essa notoriedade mundial da Mata Atlântica no centro deste complexo vegetacional esconde o fato de que o ambiente florestal é apenas um dos vários tipos de comunidades vegetais dentro de um complexo vegetal muito maior.
Do ponto de vista evolutivo e conservacionista, esse complexo vegetacional da Mata Atlântica do Brasil, deve ser tratado como um mosaico que compreende todos os tipos de vegetação, como os campos de altitude e as restingas, ditos como comunidades vegetais periféricas (ou marginais) as florestas tropicais e subtropicais úmidas e estacionais.
As comunidades vegetais periféricas da Mata Atlântica estão sujeitas às condições ambientais mais extremas do que as da floresta mésica (Ombrófilas e Estacionais). Estas comunidades enfrentam uma grande variedade de condições ambientais adversas, tais como uma amplitude térmica alta, com altas e baixas temperaturas (incluindo as congelantes), inundações, secas, ventos constantes, salinidade elevada e falta de nutrientes. Assim, a diversidade, produtividade e complexidade estrutural são menores nestas comunidades.
As iniciativas de conservação tratam a Mata Atlântica como um complexo de vegetação (sensu lato) e não como uma entidade única, ou seja, somente as formações florestais (sensu stricto). Já que esta floresta é cercada por comunidades vegetais periféricas, devido principalmente às essas condições ambientais mais extremas. Entre as encostas das montanhas e o mar, as planícies costeiras apresentam florestas pantanosas, florestas secas semideciduais e campos de vegetação sobre ambientes arenosos. No outro extremo, em áreas serranas ou montanhosas, a floresta tropical é substituída por campos de altitude e afloramentos rochosos.
Além da óbvia diferença estrutural entre florestas, campos de altitude, inselbergs e afloramentos rochosos em altitudes, esses tipos de vegetações marginais são surpreendentemente semelhantes em estrutura e função. Eles também são ricos em espécies, mas tem sua dominância feita por um conjunto pequeno de espécies. A monodominância e a oligarquia são características comuns em habitats marginais sujeitos às condições ambientais extremas. Além disso, o funcionamento destes tipos de vegetação parece depender de algumas espécies que proporcionam condições ambientais adequadas para a germinação e crescimento de outras espécies, aqui denominadas como “plantas berçários”, ou nurse plants.
As interações positivas que esse grupo de espécies proporcionam nesses ambientes desempenham papel importante na estruturação e no funcionamento desses ecossistemas marginais. Além disso, apenas algumas espécies parecem adotar este papel positivo e, portanto, o funcionamento de todo o sistema pode depender de algumas poucas espécies. Nesse sentido, as iniciativas de conservação devem tratar a vegetação de forma sensu lato, como um complexo e não apenas como uma floresta tropical sensu stricto. Iniciativas de conservação são frequentemente baseadas em diversidade de espécies e nível de endemismo. No entanto, nesses ecossistemas marginais da Mata Atlântica a diversidade de espécies pode ser altamente frágil devido ao intrínseco fato de dependência na redução de número de espécies.
Parecer Final:
O complexo da Mata Atlântica, do ponto de vista da proteção, deve ser tratado como uma floresta tropical sensu lato, ou seja, em conjunto com seus habitats marginais, como os campos de altitude, inselbergs, afloramentos rochosos e restingas, inseridos na amplitude de seu bioma. Os habitats marginais são extensões do núcleo da floresta tropical e uma zona tampão para ela, como pode ser visto pelas relações florísticas existentes e pelos casos de trânsito animal entre esses tipos distintos de vegetação, apesar da fragmentação.
Esta recomendação está em harmonia com a noção de que a história da paisagem afeta o atual padrão de distribuição das espécies em paisagens fragmentadas e, portanto, deve ser considerada de importância biológica similar aos ambientes florestais sensu stricto. A questão é que a comunidade vegetal pode compreender espécies com atributos ecológicos importantes relacionados à função do ecossistema e, portanto, merece igual atenção, diante disso, a Comissão de Meio Ambiente e Biodiversidade do Conselho Federal de Biologia – CFBio, manifesta-se contrária à continuidade de trâmite da proposta do PL 364/2019 e sugere seu arquivamento. 01/04/2024