25/07/23
Nos dias 2 a 5 de julho de 2023, aconteceu em Brasília a XVII Conferência Nacional de Saúde, com a participação de mais de 6.000 representantes de usuários do Sistema Único de Saúde, diversos segmentos da área da saúde, governo e instituições.
O CFBio estava lá, representado pelo Biólogo Horacio Manuel Santana Teles (CRBio 000983/01-D, conselheiro do CFBio, ex-conselheiro do CRBio-01, Pesquisador Científico-VI da Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) com atuação no desenvolvimento de estudos e pesquisas destinadas ao aprimoramento do controle e vigilância da esquistossomose mansônica e de outras helmintíases transmitidas pelos moluscos. (Lattes: http://lattes.cnpq.br/7255871591145213).
Nós conversamos com o Dr. Horácio Teles para saber como foi o evento e quais as perspectivas que estão sendo construídas para os Biólogos na saúde.
CFBio – Inicialmente, em nome do Sistema CFBio/CRBios, gostaria de agradecer publicamente por sua maravilhosa atuação como nosso representante, da Biologia e dos Biólogos do Brasil, neste marco da política pública de saúde que foi a XVII Conferência Nacional de Saúde, ocorrida de 02 a 05 de julho. Minha primeira pergunta vem buscar um resgate da participação do CFBio nas Conferências Nacionais de Saúde. Em quais circunstâncias se dá essa participação? Ela certamente vem do reconhecimento de um longo trabalho, então, como se deu a escolha do seu nome como conferencista?
HMST – A participação, do Conselho Federal de Biologia já é consolidada há algum tempo por conta da nossa participação no Conselho Nacional de Saúde (CNS), através do FENTAS – Fórum das Entidades Nacionais de Trabalhadoras/es da Área de Saúde, que é uma organização que ajuda nos trabalhos do CNS, daí quando surgiu a proposta da XVII Conferência Nacional de Saúde, o CFBio teve o direito de indicar um delegado para participar, na representação por parte dos trabalhadores. O CNS é composto por 25% do pessoal da sua gestão, 25% por trabalhadores da área da saúde e 50% por usuários do SUS. O CNS é responsável pela formulação de propostas para elaboração do plano nacional de saúde, da programação orçamentária de saúde e atua na área de controle social, para formulação de propostas para o Ministério da Saúde (MS) e das suas ações.
CFBio – O CFBio levou alguma proposta em nome do Sistema CFBio/CRBios ou dos Biólogos ou já existia uma pauta determinada a ser seguida?
HMST – O encaminhamento de propostas se dá a partir das conferências anteriores. Começa com as conferências municipais, depois isso é referendado e mandado para as conferências estaduais. Eu, tive representação pelo Conselho Regional de Biologia da 1a Região (CRBio-01) representando São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. As propostas possuem relação com o trabalho da área de saúde de modo amplo, não são especificamente para uma determinada profissão da área de saúde. As propostas envolvem diretrizes diretamente relacionadas com o trabalho da área de saúde, onde o Biólogo se insere. Algumas propostas tiveram relação mais direta com os interesses do Biólogo, por exemplo: Análises clínicas. Para que possamos ter uma ideia mais clara: as conferências municipais e estaduais obedeceram a quatro eixos temáticos. Um deles foi “O Brasil que temos e o Brasil que Queremos”, relacionado às perspectivas do Sistema Único de Saúde (SUS) e o futuro. O outro eixo foi “Amanhã Vai Ser Outro Dia para Todas as Pessoas”, centrado no atendimento das pessoas pelo SUS, uma proposta focada no atendimento da população. O terceiro eixo foi “Defender o SUS, a Vida e a Democracia, Amanhã vai ser Outro Dia”. As propostas que entraram nesse eixo estavam destinadas a condicionantes pela defesa do SUS, voltada à Constituição Federal de 1988, já o quarto eixo foi “O Papel do Controle Social e dos Movimentos Sociais para Salvar Vidas”, então, cuidou do controle social, dos conselhos de uma maneira geral, para atuar na redução de mortalidade, de doenças transmissíveis entre outras. Em cada um desses quatro eixos foram formuladas diretrizes e dentro dessas diretrizes vinham as propostas. Foram mais de 150 propostas nessa Conferência. Então, as propostas que vieram lá dos conselhos municipais e estaduais, após discussões, foram referendadas, ou não, pelos conferencistas.
CFBio – Como era a organização da Conferência Nacional de Saúde, como se davam as decisões?
HMST – A Conferência foi organizada e composta por plenárias e grupos de trabalho com discussões onde eram elaboradas as moções de apoio a determinadas discussões, por exemplo: as entidades filantrópicas que trabalham com o SUS. O pessoal se reuniu em áreas que eram chamadas de conferências direcionadas e a partir daí foram formuladas moções tudo isso para desaguar em plenárias gerais. Foram doze grupos de trabalho, nós participamos de um desses grupos a partir de um sorteio. Cada um desses doze grupos de trabalho recebeu a incumbência de analisar as diretrizes e as propostas formuladas de pelo menos dois eixos. Os integrantes dos grupos de trabalho votavam através de um dispositivo eletrônico, onde podiam optar por manter a proposta como ela veio da origem, suprimir a proposta se o grupo entendesse que ela não estava de acordo com a filosofia e a atuação do SUS ou modificar a proposta, conforme fosse o entendimento do grupo. Isso era chamado de destaque. Esses destaques eram analisados e incorporados ou não às propostas ao longo da Conferência. As propostas referendadas pelos grupos chegavam às plenárias, mas antes passavam por uma relatoria da comissão da conferência que era responsável por avaliar todas as propostas originárias no grupo e fazer um cruzamento de dados com os doze grupos para verificar o que estava repetido e fazer a aglutinação, pois às vezes um grupo tinha propósitos que, no mérito, queriam a mesma coisa que uma proposta de outro grupo. Também aconteciam algumas supressões, por exemplo, com relação a atuação da iniciativa privada, pedindo recursos financeiros para eles prestarem serviço ao SUS, o que contrariava a filosofia da Conferência, então era votado pela supressão. Ao final, tudo ia para as plenárias que referendaram as decisões através de mais uma votação onde todos votavam juntos. De uma maneira geral, essa foi a organização da Conferência Nacional de Saúde, que contou com a presença do presidente da república, de secretários do MS entre outras autoridades.
CFBio – Os membros do MS puderam participar dos debates e das votações?
HMST – Sim, a Conferência contou com várias atividades, como mesas de debates em que se preparavam as propostas que o MS tem espaço de participação por conta da representação que é de 25% referente a gestão. A Conferência contou com 4 mil delegados, entre os quais estava eu representando o CFBio e mais 2 mil participantes que vieram de uma outra atividade que o CNS classificou como conferências livres que aconteceram juntamente com as conferências estaduais e visaram referendar a participação da sociedade de uma maneira geral. Quem quis participar participou, teve poder de oratória. Quem entendeu que gostaria de participar pode participar livremente. No total a XVII Conferência Nacional de Saúde teve mais ou 6 mil participantes, era uma pequena cidade.
CFBio – Apesar de ser um número grande de pessoas, diante da grandeza do Brasil, o CFBio estar lá representado é bem relevante. Então, na sua avaliação como ficou, em termos de resultados, a Conferência? Foram positivos, ou ainda tem muita coisa a ser melhorada na saúde? Coisas importantes ficaram para trás?
HMST – Eu acho que a Conferência abordou uma temática ampla, que foi: desde o atendimento primário à saúde, às especialidades e até doenças raras. Por exemplo, houve propostas direcionadas para o Programa Farmácia Popular, proposta de ampliação do leque de medicamentos a ser fornecido gratuitamente, proposta de apoio financeiro a essa atividade. Então as propostas foram abrangendo praticamente todas as atividades esperadas para o SUS e para o MS que organiza o Programa Nacional de Saúde (PNS). Teve proposta voltada para a vacina, para doenças raras e para doenças degenerativas. Propostas para melhoria estratégica do atendimento, para consultas em áreas isoladas. Que eu me lembre, nada ficou fora do que se espera para o SUS, no atendimento generoso e adequado da sociedade. Olhando assim, o eixo que sustenta o SUS é a equidade: Todos têm direito à saúde, independente da categoria ou classe social. Então, não houve, pontualmente, nenhuma proposta que privilegiasse determinado segmento social. Todo o trabalho foi olhando a sociedade como um todo. E acho positivo porque, ainda que a gente saiba das dificuldades orçamentárias, saiba o quanto é difícil suprir um sistema como o SUS, que atende mais de 170 milhões de brasileiros. A amplitude do SUS é fenomenal! A Conferência teve preocupação com a salvaguarda do SUS, com a manutenção e a melhoria do atendimento, a questão das filas para se definir as cirurgias eletivas. Todos os assuntos foram tratados com atenção e todos tiveram alguma proposta voltada para suas especificidades. O Programa de Saúde da Família, entre outros. Enfim, nada ficou de fora da Conferência Nacional de Saúde, que teve representações de todos os estados e quase 3.500 municípios tiveram lá, seus representantes da área de saúde. Uma representação muito boa que caracterizou toda a necessidade do SUS e o apoio à retomada do atendimento do SUS após o negacionismo da gestão anterior. Teve até proposta de usar um fundo relacionado à Petrobras e à exploração do petróleo para o atendimento de algumas áreas da saúde. Os conferencistas atenderam à expectativa.
CFBio – O senhor acha que essas propostas vão repercutir como benefício para a sociedade de uma maneira eficiente? Porque às vezes as conferências fazem muito, mas na prática isso não chega à sociedade como benefício. Qual a expectativa que o Sr. tem em relação a aplicação do que foi é decidido e normatizado na Conferência?
HMST – A conferência trabalhou na perspectiva da construção do PNS e da Proposta Orçamentária que será agora de 2024 a 2027. Então neste ano de 2003, o que foi pontuado nessa conferência vai para o MS para se fazer a previsão orçamentária do PNS e do Plano de Orçamento para o período de 2024 a 2027. Sempre passa o governo atual em 1 ano é assim sempre. Todos nós sabemos que o mundo ideal não existe. O que nós queremos é que as propostas sejam analisadas pela gestão e pelo MS, consideradas e incluídas no orçamento para o ano de 2024. Não dá mais para este ano de 2023, porque o orçamento deste ano já foi previsto pelo governo anterior. Essa é a regra constitucional de fazer esses planos. A expectativa é que isso aconteça em benefício da sociedade nas linhas que foram definidas na Conferência Nacional de Saúde. O que puder ser atendido dentro da disponibilidade financeira do orçamento, que vai para a Câmara dos Deputados para que seja atendido a partir da definição dada aqui.
CFBio – O que acontece se o governo não cumprir as diretrizes firmadas no PNS e na Proposta Orçamentária discutida na Conferência?
HMST – A situação é mais ou menos assim: O CNS, a partir dos resultados das conferências, tem como responsabilidade a aprovação de relatórios de gestão. Toda a gestão, obrigatoriamente, por lei, precisa mandar para os respectivos conselhos de saúde o resultado do que foi feito. No fim do ano manda um relatório mais detalhado das ações realizadas e tem que justificar tudo o que não foi feito. Os conselhos aprovam ou não. Se o governo não justificou de maneira adequada determinada ação, o relatório não é aprovado e é remetido ao Tribunal de Contas, federal, estadual ou municipal, que vai avaliar porque aquele recurso não foi aplicado devidamente. Nesse caso, a regra todo mundo conhece: o Tribunal de Contas fiscaliza assim as despesas do estado ou município, e toma determinados procedimentos no caso de irregularidades: Condena, manda para o Ministério Público. Antes disso, os conselhos realizam o acompanhamento, se no relatório, digamos, do primeiro quadrimestre tem uma ação que não foi atendida, o conselho chama e pergunta ao responsável o que aconteceu e dá um prazo para correção. Então o controle social é feito baseado na formulação das políticas e no entendimento do conselho e do colegiado que lá representa as várias categorias.
CFBio – O Sr. participou da XVI Conferência?
HMST – Não participei. Participei da XV. Eu tenho participado sempre, desde a VIII.
CFBio – Na sua avaliação, esta última Conferência teve um resultado melhor que as anteriores?
HMST – Para que tenhamos uma ideia. O CNS rejeitou a prestação de contas do governo anterior. Já a Conferência de 1986, foi responsável pela criação do SUS, que a Constituição de 1988 referendou, a partir daí, cada Conferência foi aprimorando o SUS. Inicialmente o SUS atuava com atendimentos a apenas algumas categorias, por exemplo, bancários, comerciários etc. Com o passar dos anos o SUS adotou o atendimento geral da sociedade. Então, desse ponto em diante, só houve avanços. Algumas conferências avançaram mais, outras menos, muito em função do momento político. De uma maneira geral o resultado das Conferências Nacionais de Saúde é muito positivo, porque efetivamente transfere para a sociedade a possibilidade de fiscalização. O governo costuma seguir o que está definido nas conferências dentro das áreas de atenção primária ou hospitalar, então o governo molda o seu programa de atuação em cima do que está definido nas conferências de saúde. Essa é a regra, o que não quer dizer que aconteça tudo. O melhor dos mundos não existe em lugar nenhum.
CFBio – Em nome do Sistema CFBio/CRBios, dos Biólogos e Biólogas, eu gostaria de agradecer pelas relevantes informações, para nós repassadas generosamente nesta entrevista, e pedir que fique à vontade para nos deixar uma última mensagem antes de encerrarmos essa matéria.
HMST – Eu acho que no âmbito do Conselho Federal de Biologia e do Sistema CFBio/CRBios, nossa diretoria – e eu tenho certeza disso – tem batalhado muito para ampliar os espaços para o Biólogo atuar na área de saúde. Isto é uma coisa muito importante. Precisamos que o Biólogo comece também a enveredar pela área da política de saúde, comece a ter esse olhar que não seja exclusivo naquele trabalho de bancada, pois o Biólogo tem competência de formular propostas e analisar. Então, a participação na Conferência abriu uma porta, mas o nosso Sistema está preocupado também com o que acontece no Ministério da Educação. Nós temos uma possibilidade de participação no Conselho Nacional de Educação. Eu acho que o Biólogo tem que abrir a cabeça, tem que abrir a possibilidade de atuação nessas áreas todas, porque ele tem competência para isso. Para finalizar, eu acho que a ocupação de todos os espaços possíveis pelo Biólogo é desejável. Eu acho que é o que toda a diretoria e o pessoal do nosso Sistema CFBio/CRBios tem em mente fazer, e a Conferência Nacional de Saúde foi um capítulo. Está aberta a perspectiva para que a categoria profissional dos Biólogos passe a atuar politicamente em todas essas instâncias, se fazendo presente, porque é uma categoria importante, assim como outras categorias. Nós não somos mais importantes do que ninguém. Eu digo sempre: o médico não é mais importante no nosso sistema de saúde, pois a questão da saúde é multiprofissional, cada um executa a sua parte.
CFBio – Na sua opinião, a participação do Biólogo, que é uma participação diferente da participação do médico e dos outros profissionais da área de saúde, não deveria ter esse diferencial mais evidenciado? O Biólogo tem uma visão diferente e não é só diferente, muito importante também. Uma visão bem ampla do que é a saúde. Isto inclusive tem relação com um assunto que está sendo bastante debatido atualmente, que é o conceito de “saúde única”, quando o ser humano não pode ter uma vida saudável, se o animal não está saudável, se o bioma não está saudável, se existe miséria, se o clima não está bem, se existe poluição e tudo o mais. Então, esse conceito o Biólogo compreende e aplica eficientemente, e é um conceito em evidência.
HMST – Sim, inclusive o CFBio está representado no grupo que está montando o Programa de Saúde Única. Estamos lá eu e a Bárbara Rosemar. Estamos trabalhando para construção do Programa de Saúde Sustentável na filosofia da saúde única, desse olhar de complexidade das interações da saúde com o meio ambiente, com a fauna, a flora, com o equilíbrio do sistema. É nesse olhar que vemos uma saída. Não vamos resolver os problemas do mundo de uma maneira geral, porém buscando sempre o que for mais acertado. Quando a gente fala sobre multidisciplinaridade em qualquer processo, sempre lembro do significado disso para que nós conseguíssemos sair da pandemia da Covid-19, pois ninguém imaginava que tinha uma categoria profissional essencial em um processo que ajudava a salvar vidas, que era o procedimento de entubamento. Se você não tiver um fisioterapeuta, não tem entubamento, pode ter o médico, o enfermeiro, mas o fisioterapeuta apareceu como uma categoria fundamental. Quando você trabalha de acordo com o conceito da multidisciplinaridade, que é aceito no mundo inteiro para agricultura, para a saúde e para a educação, envolve a necessidade de você ter profissionais de diferentes e distintas formações. Nesse caminho, o processo parece mais viável. A minha mensagem é: O Biólogo precisa se abrir para ocupar todos os espaços que surgirem, porque ele não está sozinho como profissional há uma interdependência entre todas as profissões para que qualquer processo seja viável, então, é sempre isso. Não existe uma profissão que supere a outra. A exemplo “Porque a gente é responsável pela preservação da vida” Não, não existe ninguém responsável pela preservação da vida. O Biólogo, o médico, o enfermeiro ou fisioterapeuta pode ser fundamental, sim, mas não dá para falar qualitativamente quem é mais importante. Em cada movimento, um tem uma importância diferente. Até pouco tempo o profissional não tinha noção da importância que ele, exatamente, tinha dentro de cada área. Não foi um Biólogo que disse que “A Amazônia é o pulmão do mundo” O Biólogo disse justamente o contrário. Quando você traz diferentes conhecimentos, diferentes formações com uma determinada atuação, melhora sim o resultado. Isso é inegável. Quando se fala: “O homem que vai lá para a Lua não precisa do Biólogo”. Calma, calma, calma! Hoje em dia já se sabe que é preciso levar um viveiro de plantas para analisar como se desenvolve no espaço, como é a fisiologia humana nas viagens espaciais. Não tem mágica, qualquer coisa que você pensar relacionada com a vida, vai ter espaço para atuação do Biólogo.