25/01/23
“A toninha é um pequeno golfinho que ocorre, exclusivamente, em águas litorâneas do Sudeste e do Sul do Brasil, do Uruguai, e do norte da Argentina. O maior fator de mortalidade da toninha trata-se de um acidente operacional quando redes de pesca buscam capturar pescado visando a trazer proteína marinha para consumo humano. Mesmo dotada de um eficiente sistema de ecolocalização, a toninha vem se emaranhando em redes de pesca e, por não conseguir subir à superfície da água para respirar oxigênio do ar por meio de seus pulmões, morre afogada”, alertam os autores do e-book Toninha, um pequeno cetáceo ameaçado de extinção, disponível gratuitamente no site do Laboratório de Biologia da Conservação de Mamíferos Aquáticos (LABCMA) do Instituto Oceanográfico (IO) da USP.
O livro é resultado do estudo Avaliação sobre o estado da arte dos conhecimentos com vistas à conservação da toninha, Pontoporia blainvillei, um pequeno cetáceo ameaçado de extinção, vinculado ao Programa de Iniciação Científica e de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da USP, com autoria de Isabela Rugitsky Domingues, do Instituto de Biociências da USP, sob orientação do professor Marcos César de Oliveira Santos, do Instituto Oceanográfico da USP.
A meta dos autores é que o material, produzido em língua portuguesa e de livre acesso, tenha um alcance maior e mais efetivo a membros da sociedade não acadêmica sul-americana. “Se depender apenas dos cientistas, a toninha não será salva da extinção”, alertam. O professor ainda reitera, em entrevista ao Jornal da USP, que a reversão do processo de extinção da toninha passa, primeiramente, pelo processo de se furar uma bolha que engloba apenas cientistas e agentes de meio ambiente.
“Esse notável grupo de entusiastas não irá salvar a toninha da extinção sem apoio de outros atores. Alcançar a meta deve, necessariamente, incluir os governos federais do Brasil, Uruguai e Argentina por meio do estabelecimento de políticas públicas claras voltadas à missão de retirar a toninha da lista de cetáceos ameaçados de extinção”, espera.
Golfinho do rio
A toninha, também conhecida como “franciscana” e “La Plata dolphin”, é um pequeno cetáceo endêmico da costa da América do Sul. Apesar de ser considerada uma das cinco espécies existentes de “golfinhos de rio”, a toninha habita preferencialmente a costa marinha, com duas populações descritas para águas estuarinas. A espécie é caracterizada por um tamanho relativamente pequeno, quando comparada a outros membros da ordem Cetacea. Seu comprimento na idade adulta pode variar entre 113 cm e 136 cm para os machos, e 129 cm e 180 cm para as fêmeas, e sua coloração é amarronzada no dorso, com tons acinzentados.
Elas costumam viver em pequenos grupos, compostos de dois a cinco indivíduos, mas já foram avistados grupos maiores na costa do Rio de Janeiro, chegando a 15 indivíduos, e no complexo estuarino de Paranaguá, com 12 indivíduos. Sua alimentação é composta, preferencialmente, de peixes e lulas, e sua predação ocorre por espécies como os tubarões-tigre e as orcas. A expectativa de vida para a espécie é de cerca de 20 anos.
Em razão de sua distribuição restrita, pequenos estoques populacionais, hábito de vida próximo à costa e ameaças que sofre ao longo da distribuição, a toninha é o pequeno cetáceo mais ameaçado de extinção no Atlântico Sudoeste, segundo informações do livro. Atualmente, é classificada como “ameaçada e vulnerável à extinção” na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). No Brasil, até 2018, a espécie se encontrava na categoria “criticamente em perigo”, no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, de acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), como informam os autores na introdução.
Preocupação ecológica
Não há dados do número real de toninhas. “A maioria dos registros efetuados até o presente momento leva em conta somente animais encontrados encalhados e, portanto, quando comparada com o acompanhamento da frota pesqueira e avistamentos de toninhas presas em redes, a mortalidade acidental acaba sendo subestimada”, apontam os pesquisadores. A captura acidental ocorre ao longo de todo o ano na costa brasileira e principalmente no verão e primavera no Uruguai e na Argentina. O contexto da intensa ameaça sofrida pela toninha durante anos ao longo da distribuição trouxe preocupações em relação à manutenção do tamanho dos estoques populacionais.
Em função deste cenário, em 2000 foi realizado um workshop com cientistas originários principalmente do Brasil, Uruguai e da Argentina que tinham experiência com investigações e ações voltadas à conservação das toninhas. O encontro teve como foco a compilação das informações publicadas até aquele ano, referentes à biologia e à ecologia da espécie, e a discussão sobre estratégias efetivas para a sua conservação. O estudo foi realizado com base na revisão bibliográfica de artigos científicos publicados sobre a biologia e a conservação de toninhas, antes e depois da publicação dos resultados obtidos com o workshop, trazendo uma versão atualizada sobre o estado atual de conhecimentos sobre a espécie.
Como salvá-las da extinção?
Segundo Marcos, é preciso estruturar políticas públicas, com a participação de cientistas e agentes de meio ambiente, assim como dos representantes governamentais estaduais na costa dos Estados, regiões, municípios e províncias onde ocorre a toninha, as agências e as colônias de pesca que usam redes para captura de pescado, educadores, e professores de todos os níveis de ensino básico, médio e superior que atuam na faixa litorânea de ocorrência da toninha. “Em uma ação conjunta, deve-se avaliar mais precisamente os números de capturas acidentais no tempo e no espaço por meio de monitoramento integrado por pelo menos dois anos, avaliar a produção pesqueira com uso de redes gerada nessa faixa de costa pelos três países e o impacto econômico que geram, avaliar alternativas de subsistência para uma parte da comunidade pesqueira visando a futuros acordos coletivos de defeso sazonal ou permanente dos estoques pesqueiros em algumas áreas de ocorrência da toninha”, sugere o professor, lembrando que isso evitaria a mortalidade da espécie.
Além disso, Marcos lembra que todo esse processo deve ser acompanhado por um programa educacional básico e padronizado para que as três referidas nações adotem a toninha como um símbolo de proteção ao oceano. “Como ela é um predador de topo de teia alimentar, ela mantém a diversidade biológica de todos os componentes abaixo dela, e por isso deve continuar nesse sistema para mantê-lo em equilíbrio, informa e acrescenta: “Esse processo todo pode levar entre seis e dez anos para que, a partir desse esforço, a sequência do manejo dessa espécie e do estoque pesqueiro seja baseado em um robusto banco de dados coletados de forma tripartite, e que norteará os ajustes regionalizados”.
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Fonte: Jornal da USP