13/12/22
A República de Madagáscar possui uma das mais ricas e singulares biodiversidades do mundo, mas está perdendo essa riqueza em um ritmo acelerado e precisa de ações urgentes de conservação baseada em ciência. Esta é a principal conclusão de um estudo conduzido pelo Royal Botanic Gardens, Kew, em parceria com mais de 50 instituições do mundo. A pesquisa foi divulgada hoje, na revista Science, em dois artigos, que contaram com a participação de Thaís Guedes, do Departamento de Biologia Animal do Instituto de Biologia da Unicamp.
Os trabalhos, que são complementares e assinados pelos mesmos autores, resultaram de uma revisão sistemática da biodiversidade da ilha africana. Enquanto o primeiro faz uma revisão geral da origem e evolução da biota da região, quantificando e mapeando as espécies que existem lá atualmente e descrevendo sua utilização pelos humanos, o segundo artigo avalia as ameaças às espécies locais, utilizando análises para prever os riscos de extinção e propondo medidas que podem ser tomadas para promover a conservação eficiente e urgente.
A escolha por estudar a biodiversidade de Madagáscar ocorreu devido à sua riqueza de espécies, com uma grande quantidade de animais, plantas e fungos endêmicos da região, ou seja, que não existem em nenhum outro local do planeta. Os autores descobriram que, das 11.516 plantas vasculares e 1.316 espécies de vertebrados terrestres, 82% e 90%, respectivamente, são endêmicos daquela área. “E algumas linhagens também são exclusivas da ilha, de forma que, se perdermos uma espécie, podemos perder uma linhagem muito maior, toda uma história evolutiva”, explica Thaís Guedes.
No estudo, os autores destacam que, com a chegada de grupos humanos a Madagáscar, toda a megafauna dessa nação desapareceu. Ao mesmo tempo, grandes porções da fauna e flora atuais correm risco de extinção, o que indica a necessidade de acelerar o ritmo dos estudos sobre a biota da região. O problema é que, ao contrário do caso de vertebrados e plantas vasculares, existe uma escassez de dados sobre invertebrados e fungos, o que significa que não é possível saber se o padrão de diversidade deles é igual ao das espécies mais conhecidas ou se é necessária uma atenção maior para sua conservação.
De acordo com Guedes, a principal inovação do estudo, junto com a grande quantidade de informações reunidas, foi o uso de tecnologias de ponta para a análise de dados, como machine learning, modelagem de nicho e análises de georreferenciamento. “Por exemplo, o aprendizado de máquina ajudou a prever ameaças para grupos que não foram previamente categorizados”, explica.
Semelhanças com o Brasil
Madagáscar é uma pequena ilha de cerca de 28 milhões de habitantes localizada na costa sudeste do continente africano, com uma população muito pobre e que depende do uso de sua biodiversidade para subsistência, como a caça e a extração de madeira. Devido a isso, os autores defendem que é preciso repensar as ações de conservação nesse local, alegando que é inviável proteger essa rica e única biodiversidade sem incluir a população e suas necessidades nesse processo.
“Nós damos alguns direcionamentos nesse sentido no segundo trabalho, que é o artigo mais voltado para a parte de conservação. Argumentamos que é necessário ter educação ambiental, inclusão social, pensar o papel da população com a fauna e a flora e em formas de renda, em reflorestamento. Sugerimos que a criação de novas áreas protegidas não deve ser o foco e que restaurar matas fora das unidades de conservação pode minimizar a pressão sobre eles”, comenta Guedes, explicando que a expectativa é que os resultados possam servir de inspiração para outras áreas do planeta, especialmente aquelas com condições semelhantes à Madagáscar.
Esse é o exemplo do Brasil, que, apesar de possuir uma dimensão muito maior do que a do país africano, vive uma situação parecida em termos de diversidade biológica, endemismo de espécies e problemas sociais que impedem ou dificultam a conservação dessas áreas. “Acabamos de acompanhar a COP-27, em que discutimos mudanças climáticas em nível global, e um dos focos é proteger florestas tropicais do mundo. As mudanças climáticas vêm para todos, e proteger essas áreas de floresta fará com que a temperatura diminua, com que haja estoque de carbono etc.”.
Contribuição brasileira
Thaís Guedes foi convidada a participar do estudo sobre a biodiversidade de Madagáscar pelo biólogo brasileiro Alexandre Antonelli, que é diretor científico do Royal Botanic Gardens, Kew e a supervisionou durante o pós-doutorado na Universidade de Gotemburgo, na Suécia. Como a pesquisadora trabalha com biogeografia e análises de diversidade utilizando répteis e anfíbios, ela contribuiu, principalmente, nas métricas de diversidade de mapeamento e nas discussões sobre conservação, que ocorreram virtualmente com os pesquisadores do Instituto em Madagáscar.
Para a pesquisadora, essa interação trouxe um grande aprendizado e troca de experiências, pois possibilitou conhecer as formas como eles lidam com problemas tão parecidos com os brasileiros. Para ela, foi uma satisfação imensa saber que está realizando um trabalho de grande relevância, com resultados publicados em uma revista de renome mundial, especialmente no atual cenário da ciência brasileira. “Depois desses últimos anos de cortes na ciência e perseguição aos cientistas, eu, como uma mulher, cientista, brasileira, que viveu tudo isso, vejo como resistência continuar estudando biodiversidade e continuar trabalhando com pesquisa no meu país”, argumenta.
Leia os artigos publicados na revista Science:
Madagascar’s extraordinary biodiversity: Threats and opportunities
Madagascar’s extraordinary biodiversity: Evolution, distribution, and use
Fonte: Jornal da Unicamp