27/03/20
Conversamos com o Biólogo e Conselheiro do CRBio-08 Carlos Eduardo da Silva (CRBio 36.734/08-D) sobre o papel dos Biólogos nas equipes multidisciplinares de saúde que atuam com arboviroses, especialmente em situações de pandemia como a atual. Carlos Eduardo é doutor em Biotecnologia, mestre em Química e Biotecnologia e especialista em Saúde Pública. Atualmente, ele trabalha como Assessor Técnico em Vetores, Zoonoses e Fatores Ambientais da Secretaria de Estado da Saúde, em Alagoas.
A atuação do profissional biólogo, durante uma pandemia, serve de exemplo em relação à magnitude de setores e ações que são campo de trabalho. O momento exige uma atuação multiprofissional e inter setorial na busca de soluções e alternativas de enfrentamento à pandemia da COVID-19 e à disseminação do novo coronavírus.
Os laboratórios de saúde pública (LACENs) e os de referência nacional, a exemplo da Fiocruz e os Institutos Adolfo Lutz e Evandro Chagas, que têm dado todo o suporte diagnóstico para o entendimento da dinâmica da pandemia e para o diagnóstico dos pacientes suspeitos de estarem com o vírus, possuem em seus quadros de colaboradores profissionais biólogos do mais elevado gabarito.
Além da atuação no âmbito do diagnóstico dos casos, o trabalho realizado por biólogos nas vigilâncias epidemiológicas e em saúde de estados e municípios tem evidenciado a relevância desses colegas como colaboradores na tomada de decisões e projeções sobre o comportamento da COVID-19 nas populações.
Biólogos também têm contribuído decisivamente durante a atuação das vigilâncias sanitárias nos estados e municípios a partir da composição multiprofissional das equipes que têm saído às ruas para assegurar o cumprimento da legislação vigente no que tange às medidas restritivas ou ainda sobre a segurança relacionada aos produtos e serviços ofertados à população.
Em razão da grande gama de áreas nas quais é possível o biólogo atuar, mesmo se tratando apenas do segmento da saúde, faz-se necessário que o biólogo, ainda quando estudante de graduação, esteja sintonizado com as necessidades e possibilidades que a área exige.
Para que se possa atuar nas vigilâncias em saúde e epidemiológica, é fundamental que se busque e adquira não apenas conhecimentos sobre as doenças com as quais o biólogo vai se deparar. É preciso ir além. O então estudante de ciências biológicas, ou o já profissional biólogo, precisa se manter em constante aprendizado e aperfeiçoamento, de modo que ele tenha subsídios para entender o comportamento, os fatores condicionantes e determinantes, e por fim as consequências da ocorrência das doenças e agravos nas populações.
Conhecimentos mínimos em áreas como ecologia, zoologia, parasitologia, citologia, fisiologia e bioquímica são essenciais para o bom desempenho do biólogo nesse ramo da saúde. Somado a isso, é essencial desenvolver habilidades para o trabalho em equipe e interação como profissionais de outras áreas.
Os cursos de graduação têm melhorado a oferta de disciplinas de modo a possibilitar a habilitação e qualificação do biólogo na área da saúde pública, em especial na epidemiologia. No entanto, ainda há um certo distanciamento entre o que muitos cursos de ciências biológicas entendem como necessidades e possibilidades do processo de formação acadêmica, frente à realidade e às oportunidades que esse mercado de trabalho apresenta.
É necessário extrapolar os corredores dos centros de ciências biológicas. Dirigentes de faculdades e cursos, bem como os alunos, devem buscar garantir a ampliação da oferta e do acesso a disciplinas da área da saúde (saúde coletiva, epidemiologia, vigilância em saúde, etc.), as quais muitas das vezes estão restritas ou difundidas, por exemplo, ao público das faculdades de medicina e enfermagem. O biólogo não pode se apequenar na busca de espaços no mercado de trabalho onde é passível a sua atuação, contudo o mercado não absorverá aquele que não estiver devidamente habilitado e capacitado.
Por exemplo: Dentro da vigilância epidemiológica um componente de extrema importância é a vigilância de hospedeiros e entomológica nas doenças que são de transmissão vetorial. O trabalho específico do biólogo para o monitoramento populacional de vetores objetivando a adoção de medidas de controle é fundamental para evitar, por exemplo, o agravamento da situação de uma doença endêmica numa determinada região e período. Para isso, é necessário que se tenha o conhecimento sobre a dinâmica da doença e, principalmente, que se conheça a biologia dos organismos envolvidos, além de fatores ambientais que podem ser de extrema relevância. Na prática, o trabalho voltado ao controle do Aedes aegypti (vetor de vírus de várias arboviroses), de triatomíneos e de flebotomíneos (responsáveis pela transmissão das leishmanioses) são claros exemplos dessa atuação.
Embora não esteja atuando diretamente com as questões relacionadas ao novo coronavírus, tenho percebido entre os colegas que os desafios impostos pela nova doença têm feito com que nações de todo o mundo busquem na ciência, em seus mais diversos segmentos, explicações e estratégias para conter o avanço no número de casos e óbitos, além dos danos econômicos e sociais ocorridos e que ainda estão por vir.
São várias frentes de trabalho. Há vários grupos desenvolvendo pesquisas voltadas à produção de uma vacina e à identificação de substâncias e medicamentos eficazes e seguros para o tratamento dos doentes. Em todas as esferas de gestão do SUS há biólogos atuando no planejamento e desenvolvimento das estratégias de contenção e enfrentamento da pandemia, sobretudo nas vigilâncias epidemiológicas, a partir do monitoramento de casos.
As dificuldades transcendem o setor saúde. Os impactos econômicos e sociais ainda não podem ser mensurados, mas certamente serão bastante significativos. Na verdade já estão sendo observados, nos mais diversos segmentos: eventos, turismo, varejo, prestação de serviços, etc.. O mercado financeiro tem sofrido constantes tombos desde o início da pandemia e tem sido cauteloso quanto às previsões para a recuperação da economia no Brasil e no Mundo.
Quanto aos avanços, deve-se destacar o quanto a ciência avançará acerca desta temática. Diante de todas as dificuldades enfrentadas pelas autoridades dos mais de 190 países onde já houve o registro de casos e, pelas autoridades brasileiras, há uma expectativa de que os sistemas de saúde estarão muito mais fortalecidos pós pandemia, seja pela necessidade de se reinventar no aspecto estrutural e operacional para implementar ações coletivas de prevenção e prestar assistência aos pacientes, ou ainda por ter que enxergar que é imprescindível a colaboração de todos – profissionais de formação e setores diversos, governos e autoridades locais e de outras nações, e claro, a sociedade.
Fonte: CRBio-08